Foi lá pras bandas de Campo Grande. Conhece? Melhor, chega mais aqui, gatinha, que eu conto. Na época ainda era guri, nem conhecia esse mundão. Lembra a rodoviária velha, né. Praquelas bandas, tu manja os hotéis da área? Então, a maioria tá de porta fechando, o prédio virou um centro de lanches. As lojas do andar de cima? já era. Agora é rodoviária nova, só nos trinques, bonitona e longe pra cacete, ops, foi mal aí gatinha. Mas na época, aquilo era o fervo. Mulherada, cachaça e se o cabra quisesse, dava pra chapar legal. Tio Sirlônio não era santo, pois. Negocio feito, partiu pros furdunço. Saca só o nome da casa onde ele foi parar: Bela da Noite.
Mulher perfumosa, uísque importado e preço dobrado do que cobravam as damas da rua. Mas o tio queria coisa fina. Era como eu, o tio, não dava trela pra qualquer uma não. Mulher tinha quer ser feito tu, gatinha dengosa. Tinha mulher nada, o tio, veio em nome do patrão.
Então, noite ia alta e tava difícil achar uma mulher que enchesse uma cama, como ele queria. Até que ela apareceu. Quando viu a princesa, de cara notou que era biscoito fino, não sabia se teria grana para tanto não. Mas o aroma da moça era bom por demais, e o tio não era de resistir aos tranco de uma morena. Negócio arranjado e ela mesma oferecia o local, não carecia de ser no hotel dele não. Mas que cheiro bom que tu tem, heim gata. Pois, tu sabe né, na noite tem esses riscos sim. Quartinho era limpo e a moça, cheia dos dengos. Eita que tio suspirou largado com a festa que teria. Se teve? Ara, que os homem da minha casa não negam raça não, minha flor, que tu já viu ainda a pouco que a herança corre no sangue. O sacode foi por tudo que parte, incluso na banheira debaixo da agua morninha; serviço foi tão bem feito que a moça nem queria cobrar a noitada, mas tio insistiu, e acabou por pousar no hotel com a princesa. Tio Sirlonio não sacou que o doce, tava era doce demais.
Bebeu das mãos da moça uma tal poção revigorante “pra acordar animado pra ela”, a dondoca soprou. Daí, já viu né, sente só o aroma do embuste. Era arapuca das braba. Quando tio acordou, os músculos ainda reclamando dos exercício noturno, primeiro sorriu de gosto, depois foi sentindo o frio...
Tava na cama com a mocinha não, tava é na banheira encardida, gelo por tudo que lado e dor espalhada na carcaça moída. Bem no azulejo mofado, um bilhete das letras redonda e caprichada, mostrava um numero e dizia: “liga agora, se quer viver. Teu rim vai ganhar outro corpo, Sirlonio, meu bem.”
No hospital, falaram que ele teve sorte. A mocinha devia de te gostado dele, pois lhe levou só um dos rins. Fosse como os outros, tava é morto da silva. Pois, e é por isso que só levo meus chamegos pra casa, nada de hotel, princesa. Aqui tem perigo não, prezo por demais meu rim e aprendi a lição.
O tio? Passou bem com um rim só, e nunca esqueceu da morena. Queria o rim de volta, nada, queria era o cheiro bom da princesa que colou nele e além do rim, levou-lhe foi o juízo.
Sumiu no mundo, o tio. Dizem que achou a morena, sei não.
Agora, chega de conversa, minha linda, que o sono ta brabo. Dorme ai, gata, amanhã te dou uma carona. E já sabe, se quiser largar dessa lida, coração aqui é bruto, mas pra ti, entrego sem dó.
...
Madrugada, um carro parou em frente a casa silenciosa,
um homem e uma moça abriram o portãozinho sem muito ruído. Ela levava nas mãos
uma bolsinha de festa, e ele, uma maleta.
Sirlonio Gaudino e Pietra Galdino encerravam mais uma noitada. A motorista, morena bonita que só, apesar da idade marcando a face, sorriu quando pai e filha entraram no carro. Aquele Sirlonio era cabra persistente mesmo, tanto procurou que achou a morena e o negócio da família prosperava nos anos.
Pietra suspirou. O coração do moço, entregue de tão boa fé, até que teria boa serventia no mercado. Mas o sangue do pai correndo nas mesmas veias... E fora tão afoito que lhe dera pena servir-se de todos os órgãos.
Bem que lhe daria muito gosto rever o primo. Se ele ligasse a tempo, um rim não faria tanta falta assim...
Nenhum comentário:
Postar um comentário