Encontro

 


era noite de espiar horas, céu e chão

algum cachorro perdido, passarinho madruguento

- sono não

 

do mato ao alto, conversa de estrelas e vagalumes

eu garimpava no olho paisagem que dissolvesse solidão

ou tessitura de frescor 

 

foi quando a onça chegou

- chegou antes, o vento

cheiro de chuva que não vinha

dançaram folhas no quintal

depois, um silêncio de ante-medo

e coisas sagradas caminhando

 

nos olhos da onça

um alinhavo sinuoso de luz, noite e eu

eram leves e pesados os passos da pintada

suavidade feroz na benção da lua

 

a onça espiou a menina que espiava

andou pelo terreiro

farejou a vida

era de uma tristeza bonita, bonita

dorso longo deslizando pelo quintal

 

coração bateu mais alto que o respirar

parecer de sonho, realidade inventada

febre de dor encantada

 

era a onça de dentro farejando, avisando

qualquer coisa de sagrada sendo

 

e então, ela se fez de lua, fugidia

e se foi

foi acolhendo a noite e a imensidão

as patas no quintal tatuariam lendas

 

eu ainda não sabia

quem vê onça, vê o entre

entende olhar de deus


Tânia Souza 

 

Escritoras Fantásticas - Brasil

 


Esse é um espaço muito legal e sempre em construção. A ideia é reunir dados sobre escritoras do fantástico em todo o Brasil. Para conhecer, é só clicar na imagem acima. A seguir, a apresentação do blog nas palavras dos seus idealizadores. 

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“Escritoras Fantásticas BR” é um projeto inédito de catalogação de autoras brasileiras que produzem ficção fantástica em prosa: fantasia, scifi, gótico e suas vertentes/ramificações: horror, steampunk, realismo mágico, contos de fada, fábulas, bem como as que trabalham ficção a partir de mitologias e folclore, etc.

Coordenado pelas escritoras Lu Evans e Rozz Messias, o projeto tem como objetivo reunir as biografias, fotos e principais obras das autoras que escrevem literatura fantástica, e assim traçar um panorama desse gênero literário no Brasil a partir do ponto de vista feminino.

A meta é incluir o maior número possível de autoras, tanto as que têm uma produção constante quanto as que escrevem esporadicamente; tanto as que estão vinculadas a grande editoras quanto as que são independentes; as que escrevem romances e novelas, e as que se dedicam a peças literárias mais curtas, como contos e noveletas, ou mesmo HQ; as que produzem obras literárias para crianças e jovens, e as que escrevem para adultos.

Qualquer autora de ficção fantástica pode ter seu perfil registrado no nosso catálogo. Para participar, é muito simples: basta enviar sua biografia, foto sua (colorida) e imagens dos seus livros para um desses emails:

nebula.fantastic.literature@gmail.com (Lu Evans)

ou

rozz.mcs@gmail.com (Rozz Messias)


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inverno

há alguns dias, li em algum lugar que o inverno chegou

pero, espiei a tarde e

havia sol e suor pingando atrás da máscara da moça que chegou correndo entregar o caderno de atividades do menino: quando volta as aulas? ela pergunta. as aulas estão online, moça, mas ela não entende, ela mulher cansada de todo dia e epidemia e nada de vacina, atrasada e o chefe reclamando de dispensar um pouco mais de tempo à funcionaria que,

que despautério! 

era mãe.

 

pero, era inverno só um nome

depois, veio inverno mesmo, amor.

para mim foi ah que frio, que água gelada não queria lavar louça

mas preciso

e nariz vermelho um monte de casaco

e trabalhar e ver a rua o frio o vento a volta o frio o vento a porta a casa

e dedinho congelado procurando calor no quente dentro da roupa

e saber que quando a gente se cobre até parece que felicidade existe

pois cobertor acolhe

- senão não

 

mas lá fora inverno é faca açoite

seja dia, seja noite, dói

frio é dor no osso mais que fome

que nos viadutos ruas e abandonos

grito que até timpanaria o mundo

mas voz não vem

no frio que queima e queima

até mesmo verbo treme e cala até cindir os sonhos

 

os abandonos hão de trincar os ossos do mundo

sim

e que seja logo

 

Tânia Souza

 

Não sei andar de bicicleta

 

NÃO SEI ANDAR DE BICICLETA

 Por Tânia Souza

 
            Tardinha, o sol se pondo tingia o céu de vermelho, alguns fiapos de nuvens brincavam no céu. Ela estava sentada na calçada, pés descalços aproveitando a brisa. Um livro aberto repousava sobre a sandália melissa.

Os ruídos encheram a rua e algumas bicicletas coloridas passaram. Uma delas, aquela que ela tão bem conhecia, toda azul e sem garupa, parou ao seu lado. Do walkman que ele trazia pendurado, podia ouvir a voz distante de Axel pedindo patience....
          Ele sorriu:

          — O Apa está cheio, quer ir com a gente?

          — Não sei andar de bicicleta, nunca aprendi.— O rosto estava vermelho, para ela, não saber andar de bicicleta pareceu-lhe então a vergonha suprema. Disfarçou a vontade de arrumar um cacho que caia na testa. Descalça, cabelos rebeldes e sem saber andar de bicicleta. As bochechas então queimavam. 

          — Eu te levo.

            O rosto dele estava sério. Esperava uma resposta. Mas levar como? Ela olhou para ele, olhou para a bicicleta sem garupa, para os amigos que esperavam na esquina.

          — Mas...

          Ele sorriu e apareceu a covinha que fazia o seu coração disparar desde que ele se mudara para a cidade. Enquanto apontava para o cano azulado, coberto por adesivos do Guns, disse ainda sorrindo:

           — Te levo aqui.

Nem teve tempo de pensar, as covinhas decidiram por ela.
           

Mais tarde tentaria, mas não conseguiria se recordar da brisa enquanto venciam o asfalto indo em direção ao rio. O colégio, a sorveteria, a pracinha pintada de branco. Tudo que se lembrava era de sentir o coração dele ali tão perto e seus cabelos rebeldes teimando em tocá-lo. De ter que virar o rosto para responder a algo e descobri-lo então ainda mais próximo... e depois.

 E depois o que ficou nas lembranças foi o primeiro beijo dissolvendo tudo ao seu redor enquanto o rio descia desesperado, invadindo casas e ruas. A fome daquela cheia não era maior que a sua.

 

Alma de cometa


ALMA DE COMETA

Tânia Souza

Halei Deivison da Silva tinha 17 anos, um nariz quebrado e muitas cicatrizes. Coisa de moleque criado na rua. Não tinha carteira e a primeira moto que comprou era bob. Nem ligava, subia na máquina e dizia, minha luz, ninguém há de apagar.  

A vó dizia que o nome veio da passagem do cometa, a mãe se enamorou de um visitante desconhecido e o menino se fez. Vai se chamar Halei da Silva, como pediu o pai, disse num último suspiro, a mãe ainda tão moça. E Deivison pra não ser nome só.

O sangue se atraia pra malandro, confusão e moça bonita, Halei Deivison da Silva batia no peito e dizia:

aqui não violão,

não se meta a besta,

nem vem com treta,

eu tenho é nome de cometa

Atravessava a cidade e nos altos da Afonso Pena, andava de suspirança espiando estrelas. Disso não falava, mas esperava que um dia, o tal cometa voltasse.

Quando conheceu Julinha, se enamorou de tanto que nem mais nas madrugadas quis correr. Esqueceu estrela, esqueceu cometa. Esqueceu da maldade que anda pelo mundo. Mas no bairro, mão da moça já tinha promessa. Deu no que deu, o quase noivo foi quem não gostou, certa feita pegou o moleque de jeito, e nunca mais ninguém viu, nem se falou.

Os dias comeram os sonhos, os bairros se estenderam sem preguiça em torno da cidade morena. Mas quando é madrugada e o asfalto que cobre os córregos brilha, ouve-se de longe o ronco do motor. E feito língua de fogo, corre pela noite uma trilha de luz. Dona Julia suspira e diz, é Halei Deivison, tinha mesmo alma de cometa, tinha sim. 

Era de destino de Halei, brilhar.

 


Cult - Mulherio das Letras - Lançamento Mato



Diana Pilatti,
Eva Vilma
e
Tânia Souza
no Programa Cult, falando sobre o lançamento dos livros na II Coleção de Livros de Bolsa do Mulherio das Letras, Editora Venas Abiertas.
O programa foi gravado no dia 30 de setembro, a convite de
Daniel Rockenbach.


Da saudade e do tempo

Hoje é dia primeiro de outubro, e marca o dia que você chegou nesta terra, Terezinha. Há pouco tempo estávamos juntas fazendo planos, tantos sonhos, conversas e risadas. 

Ao voltar um pouco mais nos trilhos das horas, encontro conversas sérias, dor compartilhada. Alegrias e experiências entre irmãs.

Na cozinha, pão quentinho, as massas maravilhosas que você fazia.

Tinha medo de lagartixa e me dava biscoito goiabinha. 

Não mexa nas minhas panelas, dizia.

Agora os ponteiros mais e mais velozes e já me vejo menina e você trançando meus cabelos. E já me vejo moça/ mulher e você ainda me fazia as tranças que eu nunca aprendi. 

Hoje é saudade de seu abraço, da sua amizade, da sua presença. Do seu carinho levando doces de lembrança no lançamento do meu primeiro livro. 

Tão triste, por sua ausência. 

E muito grata a vida por ter tido um pouco de você sigo aprendendo entender ausência. 

Os ponteiros do tempo passam... E das boas lembranças o amor se alimenta.

Amamos sempre você.