Não sei andar de bicicleta

 

NÃO SEI ANDAR DE BICICLETA

 Por Tânia Souza

 
            Tardinha, o sol se pondo tingia o céu de vermelho, alguns fiapos de nuvens brincavam no céu. Ela estava sentada na calçada, pés descalços aproveitando a brisa. Um livro aberto repousava sobre a sandália melissa.

Os ruídos encheram a rua e algumas bicicletas coloridas passaram. Uma delas, aquela que ela tão bem conhecia, toda azul e sem garupa, parou ao seu lado. Do walkman que ele trazia pendurado, podia ouvir a voz distante de Axel pedindo patience....
          Ele sorriu:

          — O Apa está cheio, quer ir com a gente?

          — Não sei andar de bicicleta, nunca aprendi.— O rosto estava vermelho, para ela, não saber andar de bicicleta pareceu-lhe então a vergonha suprema. Disfarçou a vontade de arrumar um cacho que caia na testa. Descalça, cabelos rebeldes e sem saber andar de bicicleta. As bochechas então queimavam. 

          — Eu te levo.

            O rosto dele estava sério. Esperava uma resposta. Mas levar como? Ela olhou para ele, olhou para a bicicleta sem garupa, para os amigos que esperavam na esquina.

          — Mas...

          Ele sorriu e apareceu a covinha que fazia o seu coração disparar desde que ele se mudara para a cidade. Enquanto apontava para o cano azulado, coberto por adesivos do Guns, disse ainda sorrindo:

           — Te levo aqui.

Nem teve tempo de pensar, as covinhas decidiram por ela.
           

Mais tarde tentaria, mas não conseguiria se recordar da brisa enquanto venciam o asfalto indo em direção ao rio. O colégio, a sorveteria, a pracinha pintada de branco. Tudo que se lembrava era de sentir o coração dele ali tão perto e seus cabelos rebeldes teimando em tocá-lo. De ter que virar o rosto para responder a algo e descobri-lo então ainda mais próximo... e depois.

 E depois o que ficou nas lembranças foi o primeiro beijo dissolvendo tudo ao seu redor enquanto o rio descia desesperado, invadindo casas e ruas. A fome daquela cheia não era maior que a sua.

 

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