Outubro-me


Outubro-me

Hoje, leitor que talvez venha, talvez nunca, frente ao texto que agora teço, hoje tens, leitor, palavras de garganta embargada em complexa perplexidade, em tela e teclado vou fugir de mim e me encontrar.
Por vez primeira eis-me aqui, sem disfarces, apenas divagando a face sem retoques que aflora-me e burla do que tão serena finjo ser


Há tantas sombras e tristezas já tão minhas, frente ao espelho eu as vejo e dos lápis negros e toques de pincéis e beijos de batons que espiam-me, gargalham-me murmúrios de ancestral melancolia nestes traços de menina de irmã de tia de professora de mulher de amante de amiga e filha... de apenas verso e poesia.

Não, eis que nestas palavras não tratarei de um conto insólito, de viagens surreais, poesia sombria ou o terror que espreita e espanto em contos inquietantes. Tampouco tens aqui, leitor, minha face menina/mulher/poetisa, da experiência concreta ou retro, dos versos ternos, de tolas nostalgias, de amores vãos e sonhos que desvendam-me em verborrágicas  quimeras. Hoje, apenas palavras em desatenta forma.

É outubro e há na cor da tarde tanto lirismo que reconheço enfim:outubros coisificam meus sentidos. Dos anos cumpridos, fiz mais um. No aniversário dessa moça que me olha do espelho, murmuram verbos não conjugados, sonhos desfeitos e refeitos, vitórias, conquistas, derrotas e eterno recomeço. Escolhas que fiz, outras a vida fez por mim. Lunes era quando o calendário marcou trinta e três, a face no espelho espantou-se, depois riu, ano I, ano II, ano III e assim assim talvez... chama-se viver. É outubro, dia das crianças e nasci assim talvez sempre menina, mas marcado em nostalgia o caminho estendia-me desde sempre.

É outubro e também o mês para se comemorar o dia dos professores.Há o que comemorar nessa tensa e terna e amada e dolorida premissaque de sou ouvida e talvez na palavra com que compartilho/ensino/aprendo exista algum sentido? 

Eis que aprenderei a sobreviver aos outubros... a sobreviver a essa moça/face triste que questiona-me no espelho e diz-me ainda, vai assim ser indecifrada nessa vida

ou 

.... em braços dados em dados incertos de lances e relances seguiremos novos caminhos?

Há um aroma de café espalhando-se pela casa e tantos labirintos, há lá fora esse sol atordoante de outubro e certa brisa irrequieta brinca nos ipês floridos... Quedo-me aqui, palavras - nem mais tão minhas – em íris inusitadas vão. Eu? Apenas vou ali brincar de viver. 

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