Dessas mulheres



dessas mulheres

Por Tânia Souza 

há destas mulheres que carregam nas mãos renúncias

em minúcias, minutos e acalanto
disfarçam pranto
na face tatuam tempo
e as parcas?
as parcas só tecem e tecem

há dessas mulheres que de esguelha dizem:
sou tecida em indefinições
certos temores florescem mesmo sem querer

como eu poderia soprar estes ventos para outros destinos?
ao meio do dia, melancolia já chapiscava de ferrugem 
os tijolos da estrada de amarelo

estou na Júlio de Castilho e não consigo atravessar a avenida
estou na praça e o sol tem um quê de dor e pele sendo devorada
e meus olhos cegos tantos carros

era azul azul o céu da minha infância
eu femínea menina que sonhava
antes que me quebrassem os sonhos

manga doce e podre se enroscava no quintal de terra chã
e o cheiro das manhãs de inocência e febre
invadia devagar as cortinas do dia
caricia fria

nunca sei o que fazer com os braços
e agora era mocinha e já não podia, sei lá o que, porque
tudo já não era coisa de menina
no dia que o dia nasceu vermelho
Não, disse a voz patriarcal em máscara de doçura 
e eu disse tá

tempo tecia desde já litania de despedidas
pés descalços dançando folhas flores era sinfonia

algumas lágrimas eu haveria de chorar
mais vezes do que seria bom

há dessas mulheres que vestem desassossego
derramam nas palavras poesias trincadas
estilhaços

há dessas mulheres
há dessas mulheres que não se sujeitam nunca ao desencanto
dado que no mais obscuro abismo 
reconhecem a fina linha de tecer o dia

e eu sou
uma dessas mulheres
que ainda há

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