De amores a sereias

Arte - Lucas Zavagli 


Arte- Lucas Zavagli

Texto - Tânia Souza

 

caboclinha insana não acredite em sereias

num-entre-ondas tecem perigosas teias

 

caboclinha insana não nade ao luar

rainha das águas vai te levar

 

dorme ,dorme caboclinha

reino das sereias é no fundo do mar

 

caboclinha insana não esqueça a canção

escreve com presteza teu refrão




Foi ao entardecer que ela chegou. A febre de escrever me tomava e minhas saias eram rendas bordando a areia. Desnudos pés em busca de inspiração e só a vi quando o luar já era neon em suas escamas e seus olhos traziam tantos mistérios e transparências que minha alma se encharcou.

Era então amor.

Navegávamos aos mares do sul, e no abraço do frio, em seus beijos o calor surgia. E ao norte, quando o sol se refletia nas águas com rubor, as águas eram tintas de amor amor amor…

Longas noites, das lendas que contava – de reinos, piratas, criaturas e crateras alagadas, minhas penas bebiam e muitas e muitas histórias eu reinventava. E quando eu suspirava, da sereia que nas águas encontrei, ah que linda imaginação, era o que a gente a beira d’agua dizia.

Nem sei do tempo que passou, só apenas que tão cedo como chegou, uma noite qualquer me beijou, sorriu, e de olhos úmidos em amplo mar se foi. No céu espantado, a lua era um blues entrissandecido entoando solidão…

Sem serenatas, sem sereias, sem sonhar. Caminhante, caminhante, minha renda se dilacerou, a pena adormeceu e sem ela, fiz-me a louca da beira mar.

Sem histórias para contar, ouvi das ondas a sina que me cabe: terminar a canção que os loucos de pedra, terra e ar – modeladores de imaginações – conhecem de sentir e em violões invisíveis, pensamentar.

Então, pela última vez, eu escrevi. Já se faz luar tão alto e o amor tem saudades tantas para viver, não convém mais esperar. Cante cante a canção, que os sonhos tardam não.


Caboclinha insana escute o vento sobre as ondas

A solidão das águas nasce das ondinas a chorar

 

Caboclinha insana deixe o mergulho d’alma te levar

No reino em alto mar há uma sereia a esperar

No mar dos sonhos, a imaginação é rainha a navegar…

 

 * Texto publicado originalmente no site Quotidianos 


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